Lei Maria da Penha: Um pequeno e despretensioso guia prático

Este post, escrito especialmente para a semana em que celebramos os seis anos de publicação da lei “Maria da Penha” – Lei 11.340/2006, vem de uma ideia há muito germinada, mas ao mesmo tempo, difícil de executar.
Como fazer um pequeno guia, apontando todas as questões práticas, para ajudar as pessoas em situação de violência doméstica?  Como auxiliar e orientar os familiares e amigos desses pessoas a buscarem ajuda?
Proponho a um guia bem básico e colocarei alguns links para maiores detalhes. Além de tentar responder outras dúvidas à medida em que aportem nos comentários ou no e-mail.
Ainda, me cabe esclarecer que eu falo de um lugar muito específico, de dentro do sistema, e que sei, muito bem, de todas as falhas que ele ainda tem. Porém, não se intimidem em apontá-las, afinal, eu e muitos outros profissionais nos propomos a orientar, esclarecer e a tentar mudar e melhorar esse sistema. Assim, com base na experiência prática e em consulta a diversas cartilhas e portais, apresento este pequeno guia.
Fui agredida. O que fazer?
A primeira coisa é se colocar em segurança e ligar para a Polícia Militar, pelo número 190, caso o agressor continue nas imediações.
Caso ele seja detido, todos serão conduzidos até a delegacia, que pode ser uma delegacia especializada em proteção à mulher, ou poderá ser uma delegacia comum, de plantão. Em qualquer caso, o(a) Delegado de Polícia é quem vai entrevistar a vítima, expedir guia para exame de corpo de delito, e verificar se trata-se de caso que se encaixe no crime previsto no artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, que é o crime de lesão corporal, praticado por ascendente (pais, avós), descendentes (filhos, netos), irmãos/irmãs, cônjuge ou companheiro(a), ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Caso exista alguma testemunha, informe o nome, e peça para que a acompanhe até a Delegacia.
Acho importante esclarecer que nos casos de lesão corporal leve, que são as previstas no artigo 129, parágrafo 9º, é cabível a liberação do agressor mediante o pagamento de fiança.
E, ainda, que uma vez que nesse caso (de lesão corporal leve) a pena máxima prevista é de 3 anos, preciso deixar claro que dificilmente o agressor ficará preso durante todo o tempo do processo, e mesmo ao ser condenado, provavelmente, se não tiver antecedentes, será beneficiado com a substituição da pena de prisão por penas restritivas de direitos.
O que é a lesão corporal leve?
Essa questão é difícil de responder.
A lesão “leve” é prevista na lei assim: Lesão corporal = ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
E então, a lei descreve o que seria a lesão grave e a gravíssima, e a leve seria aquela que não é grave ou gravíssima. Complicado, né?
Daí, lesões leves, segundo alguns autores, seriam: “aquelas em que o dano é tido como superficial, pois compromete de maneira singela a pele, a hipoderme, ou mesmo os vasos arteriais e venosos capilares ou pouco calibrosos, como por exemplo, a escoriação, o hematoma, a equimose, a luxação, o edema, e por aí vai. Para o Direito Penal Brasileiro, cabe destacar, rubefação e eritema não chegam a constituir lesões corporais, nem mesmo leves. Entretanto, entre os legistas pode haver divergência quanto à avaliação sobre serem ou não esses tipos de lesão vestígios de lesão corporal.
Então, se a agressão não deixar ao menos um vestígio visível, dificilmente o agressor será preso em flagrante, a não ser que haja testemunhas e que fique clara, inclusive, que a intenção não era apenas agredir, mas matar. Nesse caso, o autor poderá ser preso por tentativa de homicídio, mesmo que não tenha nenhuma marca na vítima.
O agressor fugiu. E agora?
Novamente, a primeira coisa a ser feita é buscar a sua segurança e a dos dependentes, se houver. Então, você poderá buscar amparo na Delegacia de Mulheres da sua cidade, registrar a ocorrência, contando o que aconteceu e, pedir a medida protetiva, se for o caso. O agressor será intimado, ouvido, e o inquérito será encaminhado à Justiça.
A mulher em situação de violência doméstica poderá:
  • acionar a Polícia Militar (pode ser que, não havendo flagrante, ou seja, se o agressor fugiu, e não há lesão, mas ameaça, o atendente do serviço de emergência policial oriente para que seja procurada a Delegacia mais próxima, ou a Delegacia especializada);
  • acionar a Polícia Civil, comparecendo na Delegacia mais próxima, ou na Delegacia especializada;
  • acionar a Defensoria Pública, comparecendo nas sedes regionais (normalmente, ficam perto dos fóruns das cidades. Caso não exista defensoria pública na cidade, procure o Ministério Público);
  • acionar o Ministério Público, comparecendo nas procuradorias locais (normalmente, ficam também nas proximidades dos fóruns);
  • procurar as casas de apoio, onde será informada da existência de abrigos e provavelmente, encaminhada para a Delegacia, para pedir as medidas protetivas, que devem ser encaminhadas ao Juiz).
Não há agressão física, mas ameaças
Nesse caso, a orientação é a mesma para a situação de agressão leve na qual o autor tenha fugido.
Violência patrimonial
É preciso que seja registrado o Boletim de Ocorrência, e especificado qual o patrimônio está sendo violado. São procurações, financiamentos, contas conjuntas? A lei Maria da Penha prevê a violência patrimonial, quando o agressor toma ou destrói os objetos da vítima, seus instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades, e consigna dispositivos para a coibir, inclusive com a prestação de caução pelo agressor e revogação de procurações.
Minha amiga/parente/vizinha/colega está em situação de violência doméstica. O que posso fazer para ajudar?
Caso você ouça ou presencie a agressão, ligue imediatamente para a emergência policial – 190 – Polícia Militar.
A decisão do Superior Tribunal Federal (STF) na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19, julgada pelo Pleno em 9 de fevereiro de 2012, entendeu que a manifestação da parte vítima não é necessária para a aplicação da lei Maria da Penha. Assim, um terceiro pode acionar o Estado, e a prisão do agressor será efetivada ainda que a vítima não se manifeste nesse sentido.
Mas é importante que você participe, ou seja, acompanhe a ocorrência, vá até a Delegacia, testemunhe. Em briga de marido e mulher, é preciso que todos “metam a colher”.
Caso você tome conhecimento de agressões, ameaças ou outra espécie de violência doméstica
Entre em contato com órgãos de apoio e amparo às mulheres vítimas de violência doméstica na sua cidade. Ligue no telefone 180, da Central de Atendimento à Mulher, e busque acionar a rede de proteção à mulher e enfrentamento da violência, na sua região. Converse com a pessoa agredida, tente dar apoio para que ela se disponha a tentar romper o ciclo de violência e busque ajuda.
Já registrei vários Boletins, já representei por medidas protetivas, nada foi feito. E agora?
Em um dos primeiros posts que escrevi neste espaço, justamente sobre a aplicação na prática da Lei Maria da Penha, ao menos, sobre a parte penal, já disse o seguinte:
Ponto a ponto, a verdade é que, da forma como as Delegacias de Policia encontram-se sucateadas, com raras exceções, diversas dessas determinações legais não são cumpridas, por absoluta impossibilidade física: não há pessoal para acompanhar a ofendida, não há veículo para transportar a vítima,seus dependentes e seus pertences a local seguro, e muitas vezes, não há sequer o local seguro (abrigo para vítimas de violência doméstica). Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, em Minas Gerais, o único abrigo específico só recebe as vítimas de segunda à sexta, quando é sabido que a maioria das ocorrências de agressão ocorre no final de semana.
Não digo isso para desestimular as vítimas a procurarem a Delegacia, mas para que também seja cobrado do sistema geral de proteção à mulher as condições necessárias ao atendimento. Conheço colegas policiais que pagam do próprio bolso a alimentação da mulher enquanto esta está abrigada, provisoriamente, as vezes com crianças, nas dependências da delegacia, convenhamos, lugar nada adequado para se abrigar uma pessoa. (Lei Maria de Penha: a proteção, na prática)
Infelizmente, a situação não mudou tanto em seis anos.
Ainda não existem as Varas Especializadas em Violência Doméstica. Ainda demora muito mais que cinco dias para que o juiz aprecie a medida protetiva. Ainda existe uma sociedade machista e violenta, formada por  homens e mulheres, que reproduzem comportamentos que prejudicam a luta contra a violência doméstica.
As instituições encarregadas de oferecer a proteção e de repreender os agressores são formadas por pessoas que sairam desta sociedade estruturalmente machista. Não vejo um treinamento, uma capacitação, uma sensibilização dos operadores do sistema quanto à dinâmica da violência doméstica, quanto ao seu ciclo.
Cena que infelizmente se repete, e que frustra os policiais, que não recebem o treinamento adequado para reconhecer e lidar com o ciclo da violência doméstica.
E vejo muitos e muitas policiais, juizes e juízas, promotoras e promotores, defensoras e defensores, reproduzindo o senso comum desse desenho ao lado.
 Os comentários, de policiais e cidadãos, na postagem do Facebook, chamada “Humor Policial” são reveladores da incapacidade em lidar com a questão.
 E novamente, repito o que já disse no post publicado aqui, em fevereiro de 2011:
No caso de não existir, na delegacia de polícia, pessoal suficiente para atender a tais medidas, minha sugestão é: exija o cumprimento da lei! Chame a imprensa, o padre, o pastor, ligue para os órgãos de Ouvidoria e Corregedoria das Polícias. E falo isso com muita propriedade, porque sou delegada de polícia, e já tirei dinheiro do bolso para pagar passagem e lanche de vítimas, suprindo lacuna do sistema de proteção. Só que isso não é o certo, os policiais fazem porque sentem compaixão, mas não podem também arcar com todas as falhas. Então, denuncie a precariedade, porque estará ajudando a demandar pela melhoria do serviço prestado.
Confira mais alguns links:
  • Cartilha editada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
  • Rede de Enfrentamento à violência contra a Mulher – Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Mulheres (possui endereços e telefones de órgãos e instituições, estatais e não-governamentais, para atendimento, orientação e proteção de mulheres cis e trans* em situação de violência doméstica).
  • Em Minas Gerais, conheça o Instituto Albam, que possui diversas propostas para o tratamento das pessoas envolvidas no ciclo da violência de gênero.

Texto de Renata Lima, disponivel em http://blogueirasfeministas.com/2012/08/lei-maria-da-penha-um-pequeno-e-despretensioso-guia-pratico/

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